Quando já cá não estivermos
É noite e os carros passam pelos montes ao longe, luzes vermelhas a brilhar antes de cada curva na estrada.
É noite e toca andar à procura nem se sabe do que ou de quem, uma ausência, um refúgio, um tesouro, um amor perdido....
Despedidas não realizadas, encontros por fazer, conversas sem ter.... a paisagem muda quando o coração está frio e a pele arrepia com o vento gélido que sai dentre as rochas.
Já estiveram numa pedreira abandonada numa noite de luar?
Cascalho, gravilha, o som de botas solitárias a andar a passo lento e regular. Um deserto de máquinas de tamanho obsceno, enferrujadas, com força para derrubar montanhas e quebrar qualquer fronteira entre a vida e a rocha mineral. Não, não é aqui que se encontra qualquer resposta.
Noutro lugar umas pegadas se perdem na distância, sobem e descem entre as dunas dum deserto que morre ao pé do mar. Visto de cima, como pássaro, é possível ver tudo que acontece no areal, se ainda nos lembrarmos de como é que se voa. Ventos quentes do atlântico acariciam as pegadas e apagam, aos poucos, de mansinho, como quem aconchega um cobertor dum ser querido, qualquer vestígio duma história que não chegou nunca a ser contada como em verdade deveria.
Que será de nós, das nossas paixões, do nosso coração quando já cá não estivermos?
Terão valido a pena os compromissos?
Que será de nós se desouvirmos quem nós somos, aquilo que nos preenche,
música, dança das letras, livro aberto, e sim, o tal e delicioso chocolate quente?
Que será de nós, sempre a navegar à bolina?
Lembrar-nos-emos dos
tumultos dum jovem coração a latejar?
Das conversas com o mar em do maior?
Pairando sobre as nuvens, sobre as linhas do tempo, vê-se bem, vê-se tudo de maneira límpida, brilhante: sol na cara, vento em popa, horizonte de infinitas possibilidades pela frente...
Duas almas que se tocam, e ardem, e navegam....
Que simples e fácil é tudo para quem lembra como se faz para voar...
Mas.... quem é que seria tão ousado para dizer que finalmente compreendeu como é que funciona o mar...
Lá do alto vê-se bem, vê-se- tudo...
Veleiros que se perdem uns dos outros,
ronseis que se desviam,
falta de coragem, proteção dos inocentes,
Misto de emoções
ao luar,
medo-egoísmo-covardias?
cercaram-me as ondas que grandes são
coração ardente
a arrefecer no mar.
Que é feito de nós?
Há tempos jovens para subir ao topo duma árvore, dum prédio, ao pé duma falésia e gritar aos quatro ventos aquilo que deve ser feito e que levamos no peito.
E atrás de tempos jovens, outros tempos onde a vertigem paralisa qualquer uma ousadia.
Prudência benta que protege corações e mobília,
crianças são urdumes que tecem as famílias.
Ficar a ver partir barcos a vela que te chamam...
cardumes, corais, estrela boreal...
Cassiopéia, as 3 Marias, Aldebarã
Cruzeiro do Sul, Vénus, o setestrelo inteiro, o Grande carro...
Desculpem, desculpem
um coração envergonhado,
não é falta de amor, pelo contrário.
Mas não sou essa pessoa, eu...
estava errado,
sou esta, humilde, limitada, perdedora
consciente das suas limitações e bagagens,
A fiel presença
protetora
De tudo quanto resta.... que dizer?
Lembrar-se-ão de mim,
ó duna, ó mar, ó vendaval?
Ó mulher deitada no areal?
Ó sol a beijar os seus cabelos
ó coxas, ó o seu sorriso
e os seus olhos meigos
ó vento a roçagar seus peitos....
Que será de nós, sempre a navegar à bolina?
Ó meu amor sincero,
de tão longe e de tão perto,
Que será de nós,
quando já cá não estivermos?
Lembrar-se-á?
Lembrar-se-á você de mim ?