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contos d´oeste

Aprendiz & Caminhante

contos d´oeste

10
Out24

Quando já cá não estivermos

contosdoeste

20240905_093303.jpg

É noite e os carros passam pelos montes ao longe, luzes vermelhas a brilhar antes de cada curva na estrada.

É noite e toca andar à procura nem se sabe do que ou de quem, uma ausência, um refúgio, um tesouro, um amor perdido.... 

Despedidas não realizadas, encontros por fazer, conversas sem ter.... a paisagem muda quando o coração está frio e a pele arrepia com o vento gélido que sai dentre as rochas.

Já estiveram numa pedreira abandonada numa noite de luar?

Cascalho, gravilha, o som de botas solitárias a andar a passo lento e regular. Um deserto de máquinas de tamanho obsceno, enferrujadas, com força para derrubar montanhas e quebrar qualquer fronteira entre a vida e a rocha mineral. Não, não é aqui que se encontra qualquer resposta.

Noutro lugar umas pegadas se perdem na distância, sobem e descem entre as dunas dum deserto que morre ao pé do mar. Visto de cima, como pássaro, é possível ver tudo que acontece no areal,  se ainda nos lembrarmos de como é que se voa. Ventos quentes do atlântico acariciam as pegadas e apagam, aos poucos, de mansinho, como quem aconchega um cobertor dum ser querido, qualquer vestígio duma história que não chegou nunca a ser contada como em verdade deveria. 

Que será de nós, das nossas paixões, do nosso coração quando já cá não estivermos?

Terão valido a pena os compromissos? 

Que será de nós se desouvirmos quem nós somos, aquilo que nos preenche,

música, dança das letras, livro aberto, e  sim, o tal e delicioso chocolate quente?

Que será de nós, sempre a navegar à bolina?

Lembrar-nos-emos dos

tumultos dum jovem coração a latejar?

Das conversas com o mar em do maior?

Pairando sobre as nuvens, sobre as linhas do tempo, vê-se bem, vê-se tudo de maneira límpida, brilhante: sol na cara, vento em popa, horizonte de infinitas possibilidades pela frente...

Duas almas que se tocam, e ardem, e navegam.... 

Que simples e fácil é tudo para quem lembra como se faz para voar...

Mas.... quem é que seria tão ousado para dizer que finalmente  compreendeu como é que funciona o mar...

 

Lá do alto vê-se bem, vê-se- tudo...

Veleiros que se perdem uns dos outros,

ronseis que se desviam, 

falta de coragem, proteção dos inocentes,

Misto de emoções

ao luar, 

medo-egoísmo-covardias?

cercaram-me as ondas que grandes são

coração ardente 

a arrefecer no mar.

 

Que é feito de nós?

Há tempos jovens para subir ao topo duma árvore, dum prédio, ao pé duma falésia e gritar aos quatro ventos aquilo que deve ser feito e que levamos no peito.

E atrás de tempos jovens, outros tempos onde a vertigem paralisa qualquer uma ousadia.

 

Prudência benta que protege corações e mobília,

crianças são urdumes que tecem as famílias.

Ficar a ver partir barcos a vela que te chamam...

cardumes, corais, estrela boreal...

Cassiopéia, as 3 Marias, Aldebarã

Cruzeiro do Sul, Vénus, o setestrelo inteiro, o Grande carro...

Desculpem, desculpem

um coração envergonhado,

não é falta de amor, pelo contrário.

 

Mas não sou essa pessoa, eu...

estava errado,

sou esta, humilde, limitada, perdedora

consciente das suas limitações e bagagens, 

A fiel presença

protetora

 

De tudo quanto resta.... que dizer?

 

Lembrar-se-ão de mim,

ó duna, ó mar, ó vendaval?

Ó mulher deitada no areal?

Ó sol a beijar os seus cabelos 

ó coxas, ó o seu sorriso

e os seus olhos meigos

ó vento a roçagar seus peitos....

 

Que será de nós, sempre a navegar à bolina?

 

Ó meu amor sincero,

de tão longe e de tão perto, 

Que será de nós,

quando já cá não estivermos?

Lembrar-se-á?

Lembrar-se-á você de mim ?

02
Jul24

Gostaria

contosdoeste

20240702_113834.jpg

Hilda Hilst, Da Poesia, Companhia das Letras.

Hilda de Almeida Prado Hilst (1930-2004) foi uma poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira.

20
Mar24

Um poeta morreu .... e era dos bons

contosdoeste

rebentação.jpg

 

Carta (Esboço) de Nuno Júdice 

Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação 
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo.
Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas.
No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento;
e, por trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas:
o verde das folhas e o amarelo das pétalas,
o vermelho do sol e o branco dos muros.
 
Ou quem sabe um lago esquecido, até uns peixes de cores,
lembranças do vento a soprar nas dunas do deserto
Uma amizade como nunca dantes a ser desperdiçada,
a sombra duma despedida inevitável pairando sobre nós...
A raiva e o desencontro, a compreensão de tudo
uma vaga infinita de ternura, amor
Dificil de aceitar
                este desfecho
                                  das ondas
                                              na linha da rebentação

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