Como crianças
Alheios ao resto do mundo, duas crianças brincam numa poça, duas nozes com seu misto, um papelzinho por vela. De olhos bem abertos, na boca a magia dum sopro de ar.
fuuuu, fuuu
Joelho & palma da mão na areia quente, sabem da distância e da força exata do sopro para os barquinhos não afundirem. Nisto, como no tango ou na vida o quanto se aproximar ou manter distante é toda uma arte.
Já partem as naus rego abaixo caminho do mar, é a emoção da corrida, quem ganhará a quem, minha amiga? Já saem da poça, esquivando as barreiras. Uma palha, uns pauzinhos, uma pedra saliente. Fuuu, fuu há que ir corrigindo o rumo.
Você finge que esbarra no meu cotovelo para desviar meu sopro e eu queixo-me da batota, a sorrir, apenas porque é parte do jogo.
Os nossos olhos faíscam divertidos. Corremos rego abaixo, querendo seguir os barquinhos, saltitando, inocentes eles, alheios nós a todo o resto.
É tão lindo estarmos aqui onde o tempo não pode entrar! Neste jogo todos ganham e aqui, onde a vida é feita de pequenos nadas, está tão perto o fluxo verdadeiro.
Energia que invade o mundo e cria planetas cheios de letras, mistérios, jogos de cores, luzes e sombras e também de esconde-esconde.
Há tanto riso alegre nesta terra antiga ao pé do mar enquanto o jogo continua. É sempre o mar. O mar que nos apanha e nunca mais nos solta. Que entra pelas narinas adentro, salgado, juvenil, bravo, verdadeiro. O mar que abraço com olhar de criança e que abraça o rego. O mar que, inevitável, engole com prazer os dois barquinhos. Não deu para saber quem ganhou. Será sempre assim? Não importa, há mil outros jogos à espera.
Mar que nos chama, conforma, renova. Conforta.
Navegar?
Se é o mar quem chama, como não atendê-lo?